Segundo Érica Moraes, uma grande amiga jornalista, o nome deveria ser: “A poesia da morte”.
É um conto breve e branco, não tem enfeites e nem grandes palavras. Mas é quente, e eu espero que vocês sintam o quente dele.
ESTACON
Era uma noite fria, nebulosa, de ventos fortes e úmidos, era uma sexta-feira.
Ela sentia desde cedo o obscuro do dia.
Tomou o seu café preto, com torradas e geléia. Banhou-se, perfumou-se com um cheiro cítrico irritante, colocou seu palitó empoeirado; empoeirado devido o clima da cidade, que quase nunca fazia frio. Nessa sexta-feira fez. Fez até demasiado. E foi-se há enfrentar seu dia.
Trabalhou em seu serviço banal e como todos os outros trabalhos extremamente significantes. No pouco tempo que havia para o almoço, comeu ligeiro, limpou os dentes, leu atrasada o jornal e voltou ao seu rotineiro trabalho.
Tudo parecia normal e estagnado como o de costume.
Quando na volta para casa, após passar na padaria, na livraria e na casa de flores, ela se vê deparada com o susto de viver.
A menina pediu as suas flores. Ela sorriu descompassada mente e ficou por alguns instantes sem ação. Disse que havia acabado de comprá-las e não queria desfazer delas. Perguntou o que a menina queria com as flores. É quando começa o conflito.
- É para o meu velório – disse Haia com um sorriso sonso.
De princípio assustou com a resposta da menina, depois deduziu que era uma brincadeira de criança e completou:
-Não brinque assim, menina! Agora é que não dou as flores, isso não teve graça. Cadê seus pais?
- O que importa saber? Eu só preciso das flores. Não existe ritual de morte sem flores e nem velas, pois bem, as velas eu consegui, também não importa como, só preciso das flores agora. Por favor, dá-me as flores?!
O susto veio mais forte, começou pelos pés até chegar ao seu mais profundo abismo de ser. Não havia graça nas palavras da menina. E ela simplesmente não poderia ignorá-la e seguir adiante, também não poderia mostrar-se desesperada. Ainda não havia chego a esse ponto.
- Ritual de morte? O que está havendo com você? Que brincadeira é essa? Faremos assim, a deixarei em sua casa, assim que chegarmos lá, darei as flores a você. Combinado? – Estava confusa. Isso não acontecia todos os dias na sua rotineira vida.
- Por que tantas perguntas? Eu só quero as flores, oras! Não iremos para minha casa, não há casa. Existirá depois das flores, que é a única coisa que falta.
Ela já estava suprimida em seu medo. Tarde demais para esquecer aquilo e seguir sua realidade inventada.
- O que fará se eu entregar-lhe as flores?
- Prepararei o ritual. Tem que ter ritual, senão não há morte.
- Eu não consigo compreendê-la! Por que deseja morrer?
Já estava envolvida demasiadamente na história de Haia.
- Não deve mais fazer perguntas. Entregue-me as flores e vá se embora. Ou nunca mais será a mesma diante da sua incompetência de viver. O tempo está esgotando, preciso preparar o ritual, antes de deixar-me.
Entregou trêmula as flores e com as pupilas dos olhos dilatas por lágrimas; acabou-se sua Tabula Rasa.
Haia agradeceu com um sorriso pálido e disse:
- Eu que sou talassofóbica, adentrarei o meu pélago.
Deu as costas e seguiu em passos fortes, pesados e rápidos.
Não havia como não segui-la, não havia como ir para casa dormir, após encontrar uma menina com palavras desafiadoras, dizendo que precisa preparar a sua morte.
A seguiu.
Haia tinha cabelos loiros encaracolados, uma pele muito branca, lábios sem sangue, olhos pretos amarelados, baixa estatura e aproximadamente doze anos de idade.
Ela precisou correr para poder alcançá-la; imaginou que a menina não soubesse que estava sendo seguida, mas ela sabia.
Após minutos de andanças, becos e becos, trilhas e trilhas; Haia pára em uma rua sem saída, sem luz, sem presenças e começa a preparar o seu ritual.
Ficaremos nesse momento de longe a observando.
A menina acendeu as velas, despe talou um pouco das flores e ajeitou ao lado das velas o que sobrou. Chorou como se sentisse um “leguelhé”. Tirou uma navalha da meia e cortou os pulsos, dessa vez sem choro, sem desespero, passivamente, como se não sentisse dor.
Ouve-se um grito, não era de Haia, era dela que tentava fazer com que a menina parasse.
Exclamou diversas vezes: “pare, por favor, pare”.
E Haia pediu para ela não se aproximar, e soou já quase em posição dorsal e quase sem sangue e com um leve sorriso:
- Obrigada por ter vindo, era preciso um choro desesperado e de perca, para o ritual.
Não sinta por mim. Você também está morta. Viver, por fim, acaba nos fazendo morrer. Eu abortei o meu caminho e você está prejudicando o feto, até ele por si só, abortar-se.
É o meu escaton e para você a epifania.
Já não havia mais sangue para mantê-la viva, não havia mais voz para os seus mistérios, não havia mais nela a sua parte Haia. A menina a libertou para a vida e matou a sua Haia.
Jamais poderia ser a mesma, presenciou um suicídio, talvez de uma parte de si mesma, talvez o seu próprio suicídio ou ainda, sua renascença para o viver.
Com a menina ainda no colo, disse essas palavras como uma prece:
“Jorra o teu sangue no meu eu.
Entre com suas entranhas em minhas entranhas.
Flui com a sua leveza a minha palpitação.
Invada-me com os seus órgãos, os meus sentidos.
Quebre o meu mundo com suas avalanches decodificadas.
E por fim, faça-me esquecer de me prometer à vida e vivê-la.”
E mais que nunca desejou entender o humano, clamou:
“Quero ter a perdição como guia, para desvendar o segredo da existência humana. Já que para fazê-la é preciso entrar em um descaminho”.
Aquela sexta-feira de frio intenso e vento úmido, com uma menina suicida, fizeram com que eclodisse o seu espírito opaco, para restituir toda a sua alma brilhante.
Era a sua epifania, mas antes, o seu estacon.
Era uma noite fria, nebulosa, de ventos fortes e úmidos, era uma sexta-feira.
Ela sentia desde cedo o obscuro do dia.
Tomou o seu café preto, com torradas e geléia. Banhou-se, perfumou-se com um cheiro cítrico irritante, colocou seu palitó empoeirado; empoeirado devido o clima da cidade, que quase nunca fazia frio. Nessa sexta-feira fez. Fez até demasiado. E foi-se há enfrentar seu dia.
Trabalhou em seu serviço banal e como todos os outros trabalhos extremamente significantes. No pouco tempo que havia para o almoço, comeu ligeiro, limpou os dentes, leu atrasada o jornal e voltou ao seu rotineiro trabalho.
Tudo parecia normal e estagnado como o de costume.
Quando na volta para casa, após passar na padaria, na livraria e na casa de flores, ela se vê deparada com o susto de viver.
A menina pediu as suas flores. Ela sorriu descompassada mente e ficou por alguns instantes sem ação. Disse que havia acabado de comprá-las e não queria desfazer delas. Perguntou o que a menina queria com as flores. É quando começa o conflito.
- É para o meu velório – disse Haia com um sorriso sonso.
De princípio assustou com a resposta da menina, depois deduziu que era uma brincadeira de criança e completou:
-Não brinque assim, menina! Agora é que não dou as flores, isso não teve graça. Cadê seus pais?
- O que importa saber? Eu só preciso das flores. Não existe ritual de morte sem flores e nem velas, pois bem, as velas eu consegui, também não importa como, só preciso das flores agora. Por favor, dá-me as flores?!
O susto veio mais forte, começou pelos pés até chegar ao seu mais profundo abismo de ser. Não havia graça nas palavras da menina. E ela simplesmente não poderia ignorá-la e seguir adiante, também não poderia mostrar-se desesperada. Ainda não havia chego a esse ponto.
- Ritual de morte? O que está havendo com você? Que brincadeira é essa? Faremos assim, a deixarei em sua casa, assim que chegarmos lá, darei as flores a você. Combinado? – Estava confusa. Isso não acontecia todos os dias na sua rotineira vida.
- Por que tantas perguntas? Eu só quero as flores, oras! Não iremos para minha casa, não há casa. Existirá depois das flores, que é a única coisa que falta.
Ela já estava suprimida em seu medo. Tarde demais para esquecer aquilo e seguir sua realidade inventada.
- O que fará se eu entregar-lhe as flores?
- Prepararei o ritual. Tem que ter ritual, senão não há morte.
- Eu não consigo compreendê-la! Por que deseja morrer?
Já estava envolvida demasiadamente na história de Haia.
- Não deve mais fazer perguntas. Entregue-me as flores e vá se embora. Ou nunca mais será a mesma diante da sua incompetência de viver. O tempo está esgotando, preciso preparar o ritual, antes de deixar-me.
Entregou trêmula as flores e com as pupilas dos olhos dilatas por lágrimas; acabou-se sua Tabula Rasa.
Haia agradeceu com um sorriso pálido e disse:
- Eu que sou talassofóbica, adentrarei o meu pélago.
Deu as costas e seguiu em passos fortes, pesados e rápidos.
Não havia como não segui-la, não havia como ir para casa dormir, após encontrar uma menina com palavras desafiadoras, dizendo que precisa preparar a sua morte.
A seguiu.
Haia tinha cabelos loiros encaracolados, uma pele muito branca, lábios sem sangue, olhos pretos amarelados, baixa estatura e aproximadamente doze anos de idade.
Ela precisou correr para poder alcançá-la; imaginou que a menina não soubesse que estava sendo seguida, mas ela sabia.
Após minutos de andanças, becos e becos, trilhas e trilhas; Haia pára em uma rua sem saída, sem luz, sem presenças e começa a preparar o seu ritual.
Ficaremos nesse momento de longe a observando.
A menina acendeu as velas, despe talou um pouco das flores e ajeitou ao lado das velas o que sobrou. Chorou como se sentisse um “leguelhé”. Tirou uma navalha da meia e cortou os pulsos, dessa vez sem choro, sem desespero, passivamente, como se não sentisse dor.
Ouve-se um grito, não era de Haia, era dela que tentava fazer com que a menina parasse.
Exclamou diversas vezes: “pare, por favor, pare”.
E Haia pediu para ela não se aproximar, e soou já quase em posição dorsal e quase sem sangue e com um leve sorriso:
- Obrigada por ter vindo, era preciso um choro desesperado e de perca, para o ritual.
Não sinta por mim. Você também está morta. Viver, por fim, acaba nos fazendo morrer. Eu abortei o meu caminho e você está prejudicando o feto, até ele por si só, abortar-se.
É o meu escaton e para você a epifania.
Já não havia mais sangue para mantê-la viva, não havia mais voz para os seus mistérios, não havia mais nela a sua parte Haia. A menina a libertou para a vida e matou a sua Haia.
Jamais poderia ser a mesma, presenciou um suicídio, talvez de uma parte de si mesma, talvez o seu próprio suicídio ou ainda, sua renascença para o viver.
Com a menina ainda no colo, disse essas palavras como uma prece:
“Jorra o teu sangue no meu eu.
Entre com suas entranhas em minhas entranhas.
Flui com a sua leveza a minha palpitação.
Invada-me com os seus órgãos, os meus sentidos.
Quebre o meu mundo com suas avalanches decodificadas.
E por fim, faça-me esquecer de me prometer à vida e vivê-la.”
E mais que nunca desejou entender o humano, clamou:
“Quero ter a perdição como guia, para desvendar o segredo da existência humana. Já que para fazê-la é preciso entrar em um descaminho”.
Aquela sexta-feira de frio intenso e vento úmido, com uma menina suicida, fizeram com que eclodisse o seu espírito opaco, para restituir toda a sua alma brilhante.
Era a sua epifania, mas antes, o seu estacon.
Daniella Paula
Agradeço à Érica, sempre gentil e poética.
Agradeço vocês, pelas boas palavras, pelos sensíveis olhos, pela doce cumplicidade!
Um beijo do tamanho da saudade que eu estava daqui.
3 comentários:
To arrepiado!
Perfeito!
Você é a próxima Clarice.
Lindo conto.
Um tanto Augusto dos Anjos, mas belo.
Arrepiada 2... =)
é forte e quente e surpreendete!
te amo!
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