sexta-feira, 3 de outubro de 2008

As horas


Ela não pôde suportar as horas.
As horas que se sucedam como correntezas de um rio infinito.
Ela queria ser finita. Não existia nela a ostentação de ser eterna.
Ela queria somente que as horas acabassem.
Que o fluxo chegasse ao fim.
Que os respirares se calassem, porque eles são gritos que ensurdecem.
Não haveria como mais suportar a contagem progressiva dos segundos natos, imbecis, fiéis como um cão ao tempo, tortuosos àqueles que não suportavam mais o seu barulho, o seu sopro de vida, a sua obrigação de existir.
Ela queria que a cachoeira cessasse que o rio secasse que o mar inundasse a areia que já estava cansada de apanhar das ondas.
Para quê tanto tempo? Para quê tantas horas?
Os seus olhos só desejavam se encontrar com a impetuosidade dos ventos e a finitude das tempestades.
Não era mais necessário o pulsar desenfreado do coração. Esse órgão obrigatório para o fluxo insano da vida. Ela só queria deixar de ir contra a ela, para deixar de ter o choque que causa a existência, até daqueles pobres viventes que já não a quer. Que vivem a vagar pelas cinzas das horas, pelo o pó das carnes, pela loucura das palpitações. Por que há de nos manter vivos?
Ela só queria ir a favor da vida, que pede para morrer.
Era tudo que desejava!
Como o pulsar do estacon, dentro de epifania.
Ela desejava regredir.
Desejava que os ponteiros batessem ao contrário. Que os olhos fechassem para a paz, mesmo inventada.
Ela só queria romper a linha obrigatória do tempo, cessar o pulsar, calar-se a alma.
Era tudo o que ela desejava.
Decodificar o tempo, estraçalhar a lógica, quebrar os cacos, anestesiar a dor.
Por que existe alguém sempre nos soprano? Ela se indagava, pois só queria não mais ir contra o vento.
Deitar e avistar a esperança, longe da esquivança da existência humana.
Enveredar o seu barco para outros mares.
Esquecer o devir que nunca vem.
Calar as vozes que a mantém.
Ela só queria fechar os olhos, até o escuro ficar tão escuro e sangrar, para coexistir o vermelho.
Ela só queria cessar...



Daniella Paula

9 comentários:

Unknown disse...

Forte como tudo em você.

•.¸¸.ஐJenny Shecter disse...

"Ela queria ser finita. Não existia nela a ostentação de ser eterna."
Apaixonante o teu texto!!!
Fiquei extasiada ao ler!
Beijos e borboleteios!

Cris Medeiros disse...

Belo texto!

Obrigada pela visita!

Beijos

Késia Maximiano disse...

Daniella, super obrigada pela visita, adorei!!!

Adoorei o texto e a sensibilidade das palavras..
Bjs

João Videira Santos disse...

"...só queria fechar os olhos, até o escuro ficar tão escuro e sangrar, para coexistir o vermelho." - fortemente...poético! gostei!

Joana disse...

"Decodificar o tempo, estraçalhar a lógica, quebrar os cacos, anestesiar a dor."
Perfeito!
Beijos

O Profeta disse...

Tu és imensa no sentir...


Doce beijo

Ivete disse...

Cheia de sentimentos...
lindo....
Coloquei seu blog nos meus favoritos.
beijo, lindo finalzinho de tarde

Deusa Odoyá disse...

Olá minha doce amiga.
Que poema forte e profundo.
sentido pelo poros.
Muito belo seu poema.
Parabéns amiga.

Uma semana de muita paz e amor.

Fique na paz.

Regina Coeli.

Obrigado por sua visita ao meu cantinho.yzijnule